O Ganges (Ganga), mais longo e venerado rio da Índia, luta com a poluição severa de suas águas há décadas, pois nenhum grande projeto do governo pôde ajudar adequadamente ou solucionar o problema.
Além do rio principal, a maioria de seus afluentes é descrita como gravemente contaminada, segundo várias agências indianas, como o Conselho Central de Controle da Poluição, o Ministério do Meio Ambiente e Florestas da União (MMF), a Direção Nacional de Conservação do Rio e a Autoridade Nacional da Bacia Hidrográfica do Ganges (ANBHG).
Viajando rio abaixo do Gangotri (a geleira de onde surge o Ganges), uma pessoa deve estar pronta para encontrar algumas surpresas bastante desagradáveis, incluindo o completo desaparecimento do rio por vários quilômetros em alguns lugares. Mais abaixo há barragens no rio em lugares como Chilla, Haridwar, Narora, Kanpur e Farakka. Além disso, cada um dos 17 principais afluentes do rio foi represado várias vezes. Cada um desses projetos de hidrelétricas e barragens tem um impacto adverso significativo no rio.
No entanto, na descrição da ANBHG sobre o problema, não há qualquer menção desses projetos. Seu único foco é a poluição: “Na bacia do Ganges, cerca de 12 milhões de litros por dia (mld) de esgoto são gerados, para os quais atualmente há capacidade de tratamento para apenas 4.000 mld. Aproximadamente 3.000 mld de esgoto são despejados no ramo principal do rio Ganges de cidades classe I e II localizadas nas margens, nas quais uma capacidade de tratamento de 1.000 mld foi criada recentemente.”
A contribuição da poluição industrial é de 20%, mas devido a sua natureza tóxica e não biodegradável o impacto é muito mais perigoso. Esse tipo de diagnóstico limitado pode levar a um tratamento ineficaz.
O estado poluído do rio não é um desenvolvimento recente. Isso é conhecido há décadas. A falta de tentativas ou de alocação de recursos financeiros, técnicos e infraestrutura, ou mesmo a incompreensão, não são os responsáveis pelo estado atual do rio.
A primeira fase de combate à poluição no rio Ganges começou com a promulgação da Lei de Poluição da Água de 1974, que criou arranjos institucionais elaborados, incluindo um conselho central e correspondentes estaduais de controle da poluição, munidos com poderes legais significativos. No entanto, até hoje não houve um único caso de um rio ou afluente que foi limpo devido aos esforços dos conselhos de controle da poluição.
Observando esse fracasso, o então primeiro-ministro indiano Rajiv Gandhi lançou o Plano de Ação Ganges (GAP) em 1985. Ele tinha esperanças de que a Lei de Proteção do Meio Ambiente, promulgada no ano seguinte, seria útil nesse esforço. A lei é boa, mas a agência que o implementa, o Ministério do Meio Ambiente e Florestas (MMF), não demonstrou a independência, vontade ou intenção de abordar esse problema com seriedade.
O GAP continuou com sua ênfase em mais estações de tratamento de esgoto, bombas, tubulações e outras infraestruturas. Décadas mais tarde, o então ministro do MMF, Jairam Ramesh, declarou no Parlamento indiano em 2009 que o GAP não conseguiu atingir seus objetivos básicos.
Em 1993, o GAP Fase-II foi lançado e em dezembro de 1996 ele fundiu-se com o Plano Nacional de Ação dos Rios. A Autoridade Nacional de Conservação dos Rios é presidida pelo primeiro-ministro indiano e inclui ministros do governo central e os principais oficiais dos estados da bacia do Ganges. Embora seja evidente que o GAP e os Planos de Ação dos Rios sejam um fracasso, não foi feita qualquer tentativa credível para entender as razões do fracasso quando a supervisão deveria provir das mais altas esferas do governo indiano.
O CAG (Controlador e Auditor Geral da Índia) tem demonstrado em vários relatórios como o esquema fracassou; o último relatório surgiu apenas em 2011 e acusa o atual governo indiano, que chegou ao poder em 2004, de dar baixa prioridade para salvar os rios do país.
Em fevereiro de 2009, poucos meses antes das eleições parlamentares, percebendo que a questão está esquentando, o governo indiano emitiu uma notificação sobre a ANBHG, liderada pelo premiê e incluindo alguns membros de organizações não governamentais (ONGs).
Ficou claro desde o início que era um gesto simbólico e não havia intenção séria de abordar essas questões. Como antes, dessa vez também não houve tentativa credível para entender as razões do fracasso passado e abordar questões relacionadas com a gestão do rio.
Comunidades ou ONGs independentes não tiveram papel nas decisões cruciais tomadas pelo governo em relação ao financiamento de US$ 1 bilhão ou aos planos específicos, programas e esquemas de trabalho. Em mais de quatro anos, desde que a autoridade foi constituída, houve apenas três reuniões (inclusive as agendas e atas das reuniões não estão sob domínio público). Frustrados com isso, três membros não governamentais anunciaram sua saída da autoridade.
Então, qual é exatamente o problema? Por quase quatro décadas de tentativas de controlar a poluição dos rios, os tomadores de decisões são membros dos governos estaduais e federais e de suas agências. Nenhuma dessas agências têm mostrado uma cultura de transparência, democracia, responsabilidade ou funcionamento participativo.
A vida ou subsistência dos tomadores de decisão não depende dos rios estarem limpos ou se estes têm água fresca ou não. Essas pessoas não têm qualquer papel em garantir que os rios sejam limpos.
Em outras palavras, a ênfase tem sido apenas em infraestrutura (novas usinas, bombas, tubulações) e finanças (embolsáveis), mas nenhuma em abordar a componente da governança do regime de gestão dos rios. Supõe-se que não haja necessidade de considerar a governança para assegurar que a infraestrutura e tecnologia funcionem realmente como pretendidas, que as decisões tomadas são apropriadas e que as finanças são utilizadas de forma ótima e pelas opções certas.
Um simples indicador do fracasso do governo é que nem uma única estação de tratamento de esgoto existente funciona perto dos níveis prometidos de qualidade ou volume. No entanto, ninguém é responsabilizado por isso ou jamais foi punido.
Os defensores da campanha dizem que o rio Ganges não deve ser ligado ao esgoto, mas a realidade, hoje, é que o rio é o esgoto. Não houve avaliação adequada da quantidade de água doce que deve haver no rio durante todo o ano, a jusante de uma barragem ou hidrelétrica e não há liberação em pontos de desvio. Os rios estão morrendo várias vezes.
Além da questão dos trabalhos parados em projetos nos tributários Bhagirathi, Alaknanda e Mandakini; a campanha pelo Ganges exige que o MMF encerre o projeto hidrelétrico Alaknanda de 300 MW, mesmo quando o Comitê Consultivo Florestal recusou duas vezes aprovar o projeto e o Instituto da Vida Selvagem da Índia, o consultor designado pelo ministério, recomendou que o projeto não deve ser permitido.
O projeto hidrelétrico está perto de antigos santuários e áreas protegidas, como a Biosfera Nandadevi e o Vale das Flores. O relatório recente de abril de 2013 do grupo interministerial sobre os projetos hidrelétricos do Ganges superior é um exercício de manipulações para aprovar a qualquer preço todos os projetos hidrelétricos.
A distância entre o estado do rio e o que o povo indiano sonha aumenta sem perspectiva de conciliação. É preciso lembrar que, no contexto da mudança climática, do derretimento das geleiras, do aumento do nível do mar e da imprevisibilidade das monções, o estado do rio somente piorará.
Não é que os cidadãos e a sociedade da Índia sejam inocentes; em certo sentido, a ligação religiosa e cultural do rio Ganges também tem colaborado para a situação atual, uma vez que aumenta a carga de poluição no rio ao invés de reduzi-la. Por que as pessoas permitem que o rio que veneram chegue a esse estado? O que elas têm feito para reverter isso? Podemos esperar que o rio tenha um destino melhor sem tornar os cidadãos parte do processo?
Em última análise, o rio é um espelho, ou melhor, um relatório do que todos coletivamente fazem com ele. Se não houver vontade de mudar o que fazemos com o rio Ganges, não haverá mudança ou melhora possível.
Himanshu Thakkar trabalha para o “South Asia Network on Dams, Rivers & People” (www.sandrp.in)
—
Epoch Times publica em 35 países em 21 idiomas.
Siga-nos no Facebook: https://www.facebook.com/EpochTimesPT
Siga-nos no Twitter: @EpochTimesPT