Qual a importância do estudo de doenças de plantas?
Você já se perguntou como as frutas, verduras, cereais, legumes e todos os outros alimentos que compramos chegam a nossa casa sadios, com boa aparência e boa qualidade? Ou por que o mamão, por exemplo, após certo período de tempo de colhido, fica com algumas manchas redondas, e por que outras frutas não ficam assim? Estas manchas que aparecem são microrganismos que crescem e se alimentam dos açúcares e outros produtos do fruto. O conhecimento de como estes microrganismos infectam, se desenvolvem e se dispersam a outras plantas hospedeiras é importante para evitar a presença deste.
Mas, qual a ciência que estuda as doenças de plantas? Esta ciência é a fitopatologia. A palavra fitopatologia vem do grego: phyton (planta), pathos (doença), logos (estudo). Fungos, bactérias, vírus, fitoplasmas, micoplasmas, protozoários e nematoides são agentes causadores comuns de doenças de plantas. A fitopatologia estuda a interação do hospedeiro (a planta) e o patógeno, desta forma, esta ciência se interessa pelo estudo de doenças bióticas, também conhecidas como doenças infecciosas. As doenças abióticas, ou seja, causadas por fatores inanimados e ambientais, não são escopo da fitopatologia.
Os fungos, em especial, são responsáveis pela maior parte das doenças de plantas conhecidas. Estes são de fácil manipulação, pois são geralmente facilmente cultivados, tem genomas pequenos de sequenciamento relativamente rápido e o seu cruzamento e a obtenção de sua progênie são geralmente simples e rápidos. Por estes motivos, os fungos que causam doenças de plantas são os microrganismos fitopatogênicos mais estudados. Em 1991, acreditava-se que havia 1,5 milhões de fungos no mundo (Hawksworth, 1991). Até esta época somente 70 mil fungos foram descritos. O sequenciamento em larga escala mostra que na realidade temos mais de 5 milhões de fungos no planeta terra e estima-se que há mais de 99.000 fungos descritos na atualidade (Blackwell, 2011).
Uma das maiores preocupações que concernem à fitopatologia é a falta de alimentos, pois a alimentação é um fator de primeira necessidade. A falta de alimentos para a crescente população mundial deixou (e deixa) vários pesquisadores preocupados, como Thomas Malthus e Paul R. Ehrlich. Por outro lado, a humanidade sofreu a “Revolução verde”, o que salvou muitas pessoas da fome. Norman Borlaug, agrônomo e fitopatologista americano, coordenou a utilização de práticas agronômicas como o melhoramento de plantas, irrigação e uso de agroquímicos em países de terceiro mundo, por exemplo, o México e a Índia. Com o desenvolvimento da agricultura nestes países, muitas pessoas que passariam fome foram salvas. Borlaug ganhou o prêmio Nobel da Paz em 1970 e o conjunto destes métodos por ele empregados para a produção de alimentos é conhecido como “Revolução verde”. No entanto, a fome ainda mata. De acordo com dados da FAO, por ano, 6 milhões de crianças com menos de 5 anos morrem devido à fome.
A escassez de alimentos na Europa no século XIX foi um episódio muito conhecido na história mundial. De 1845 a 1846, tubérculos de batata foram perdidos na Europa devido a uma doença hoje conhecida como requeima da batata. Na Irlanda, especialmente, onde a alimentação era composta praticamente 100% de batata, cerca de 2 milhões de pessoas morreram de fome. Devido a isso, calcula-se que essa doença levou a emigração de 1,5 milhões de irlandeses principalmente para a América do Norte.
Além da alimentação, as doenças de plantas podem afetar outros fatores importantes para o homem. O impacto de um problema fitopatológico pode até mesmo levar a mudança de hábitos humanos. O Ceilão, hoje conhecido como Sri Lanka, produzia café e o exportava quase que exclusivamente para a Inglaterra. Em 1869, surgiu uma doença devastadora, conhecida como ferrugem do cafeeiro, causada pelo fungo Hemileia vastatrix. A produção de café chegou a zero e a exportação foi totalmente prejudicada. Os cingaleses não esperavam que um pequeno fungo fosse desiquilibrar a sua economia provinda de uma monocultura. Pela falta do café, os ingleses procuraram outra bebida estimulante para suas tardes. O chá. Desta forma, o chá substituiu o café como a bebida preferida mais popular dos ingleses.
Uma doença de planta conhecida como ergotismo causou a morte de muitas pessoas devido à produção de toxinas, entre elas o LSD no corpo de frutificação do fungo Claviceps purpurea. Esses corpos de frutificação, escuros e em formato de esporão, são formados quando o fungo infecta sementes de centeio. O pão preparado com esse centeio contaminado se ingerido causa formigamento dos membros, elevação de temperatura corporal, problemas mentais, aborto, gangrena, alucinações e morte. Esta doença era conhecida como fogo sagrado ou fogo de Santo Antônio e era comum na Idade Média.
Problemas fitopatológicos podem modificar a paisagem urbana também. Olmos foram totalmente dizimados na América do Norte e Europa devido à doença holandesa do olmo. Ruas inteiras, que antes tinham olmos ornando-as, perderam todo o encanto pela morte destas árvores que faziam sombra e embelezavam o ambiente. Na cidade canadense de Montréal, por exemplo, quase todos os 35 mil olmos que ali existiam foram exterminados por esta doença. O agente desta doença é o Ophiostoma ulmi, um fungo ascomiceto. Sabe-se atualmente que o Ophiostoma novo-ulmi é a espécie mais comum e agressiva. A doença é transmitida por besouros e acredita-se que estes e o fungo chegaram à América do Norte com pedaços de troncos importados do Reino Unido.
No Brasil houve uma doença que causou perdas econômicas significativas na Amazônia. No início do século XX, o Brasil era um dos maiores produtores mundiais de borracha. No fim dos anos 20, Henry Ford queria produzir pneus e outros componentes para automóveis a partir da borracha de seringais brasileiros. Batizada de Fordlândia, no estado do Pará, esta nova cidade foi a escolhida (e comprada) por Ford para a produção de borracha. Mas uma doença extremamente destrutiva surgiu nos seringais desta nova cidade. O mal das folhas da seringueira causada pelo fungo Microcyclus ulei. Os 4 mil ha de seringueiras que foram plantados em 1928 foram abandonados em 1934. Neste mesmo ano, Ford não desistiu e tentou sua nova produção de borracha em Belterra, cidade a alguns quilômetros de Fordlândia. Não houve sucesso. Os seringais de Belterra também foram dizimados. Ford perdeu milhões de dólares neste empreendimento. Naquela época, plantavam-se seringueiras no sul da Ásia também. O baque causado pela impossibilidade de continuar a produzir borracha no Brasil em grande quantidade e a ausência da doença no sul da Ásia deram oportunidade para que a produção de borracha do sul asiático se torna-se a maior do mundo.
Aqui, nós vimos que as doenças de plantas podem levar diretamente a falta de alimentos, a mudança de hábitos, a intoxicação, a alteração na paisagem e a perdas econômicas significativas. A busca por plantas sadias e mais e melhores alimentos leva a um aumento no uso abusivo de agroquímicos no combate a doenças e pragas por parte dos produtores rurais. Os produtos químicos para controle de praga e doenças podem ser extremamente prejudiciais à saúde, com propriedades cancerígenas, teratogênicas, mutagênicas e mimetizadoras de hormônios. A sustentabilidade idealiza o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental. O desafio da fitopatologia na atual situação mundial é o controle de doenças de plantas de forma racional e sustentável. A conscientização do produtor rural quanto a esta nova tendência é necessária. O ideal seria diminuir ao máximo o uso de agrotóxicos. O emprego de alta tecnologia, genética molecular, sequenciamento, melhoramento vegetal e outras novas tecnologias podem ser feitos como ferramentas para métodos mais sustentáveis de controle de doenças de plantas. Por exemplo, ao invés de utilizar um fungicida no controle de um dado fungo fitopatogênico, o uso de uma variedade resistente da planta evitaria o controle químico. Métodos de controle alternativos, como a aplicação de indutores de resistência de plantas, também podem ser utilizados para evitar o uso de agroquímicos e controlar os níveis do patógeno.