A aparente riqueza da China

07/11/2011 00:00 Atualizado: 07/11/2011 00:00

Nos arredores de Jiujiang, cidade perto do Rio Yangtzé, uma idosa chinesa puxa um carro de mão com lenha para cozinhar, em 7 de março de 2009. (Mark Ralston/AFP/Getty Images)Numa conferência sobre a China na cidade de Nova York, quando se perguntou a audiência o que vinha à mente quando mencionada a palavra “China”, uma senhora respondeu, “o país mais rico do mundo”.

Como um sino-americano, encontro muitas pessoas que me perguntam se deveriam investir na China, porque a economia lá parece miraculosa.

Diversos fatores contribuíram para o público norte-americano ter esta percepção. Por exemplo, durante o rápido desenvolvimento econômico dos últimos 30 anos, o regime comunista permitiu que algumas pessoas enriquecessem, dando a impressão de que era a sociedade como um todo que estava enriquecendo.

A China possui mais de 1,2 trilhões de dólares em títulos da dívida norte-americana, uma vasta soma em moeda estrangeira. E a mídia e Wall Street consideram a China como uma mina de ouro para investimentos.

Os pobres

Em comparação com e era Mao, muitos chineses melhoraram a qualidade de vida significativamente. No entanto, a realidade é que apesar do dinamismo dos últimos 30 anos, a sociedade chinesa permanece muito pobre.

No livro “A próxima década”, o autor George Friedman destaca que de acordo com o Banco Central da China, 60 milhões de chineses (menos de 5% da população) vivem em famílias de classe média (famílias que ganham 20 mil dólares ou mais por ano).

600 milhões de chineses vivem em famílias com rendimento inferior a mil dólares por ano ou menos de 3 dólares por dia. Outros 440 milhões de chineses vivem em famílias com rendimento que varia entre mil e dois mil dólares por ano, que é o mesmo que 3 e 6 dólares por dia.

Friedman conclui que 80% dos chineses vivem em condições de pobreza comparáveis à África subsaariana. Estes números podem deixar muitas pessoas incrédulas e a ponderar como é possível que uma nação tão empobrecida possua tantos títulos da dívida norte-americana.

A dívida norte-americana

Apesar das reformas econômicas, a China possui um sistema econômico centralizado pelo Estado. O regime comunista busca o desenvolvimento econômico para legitimar seu poder e manter a nação estável.

Através da manipulação do valor do Yuan, forte taxação às indústrias exportadoras, utilização dos recursos naturais, incluindo uma posição de destaque no mercado mundial de metais raros, e mantendo o custo do capital humano barato, o regime chinês acumulou uma vasta reserva de moeda estrangeira.

Larry Lang, professor titular de finanças na Universidade de Hong Kong, afirmou recentemente que a China possui o imposto de renda mais alto no mundo.

Para manter o valor da moeda em baixa, dando vantagem competitiva a suas exportações, o regime chinês optou por comprar a dívida norte-americana e manipular o valor de sua moeda.

Comprar a dívida norte-americana serve também o propósito de criar dependência econômica dos EUA em relação à China, o que dá ao regime vantagem política ao negociar com o governo americano. Por exemplo, nas duas últimas décadas, os EUA têm ignorado em grande parte as violações dos direitos humanos cometidas pelo regime chinês, assim como se abstido de apoiar tudo e todos que o Partido Comunista Chinês (PCCh) considere como inimigo.

A desigualdade da renda

O modelo de desenvolvimento econômico atual da China foi concebido por Deng Xiaoping, o arquiteto da reforma econômica chinesa, para permitiu que alguns enriquecessem primeiro. Na realidade, a reforma não gerou nada mais do que a riqueza de alguns.

A China é a economia de mais rápido crescimento entre as mais importantes no mundo, tinha 502 mil milionários em 2010, de acordo com um estudo do Julius Baer Group e CLSA Asia Pacific Markets. Em 2011, o número cresceu para 534.500, de acordo com um relatório de junho da Capgemini SA e Merrill Lynch Global Wealth Management. A China figura em quarto lugar no número de indivíduos ricos na população atrás dos Estados Unidos, Japão e Alemanha.

Um artigo recente de Zhang Monan no China Daily afirma que estas famílias ricas na China representam apenas 0,2% do total de famílias do país, uma proporção que está muito abaixo de outros países.

Por exemplo, a proporção de famílias ricas é de 4,1% nos EUA e 8,4% na Suíça. Zhang deseja que o Estado aumente o imposto sobre a propriedade para que a disparidade na distribuição de riqueza diminua.

O famoso sociólogo Zhou Xiaozheng, que administra o Instituto de Direito e Sociologia na Universidade da China em Renmin, frisou numa entrevista com o China Post: “Não se esqueçam de que o presente sucesso da China é baseado em 300 milhões de pessoas tirando vantagens de 1 bilhão de trabalhadores mal pagos. Além disso, o sistema judicial injusto e a desigual distribuição de riqueza estão criam desafios ainda maiores.”

O coeficiente Gini, uma medida para avaliar a disparidade de renda, elevou-se a um alarmante 0,47 em 2010 e receia-se que alcance 0,5 em 2011, o que seria um máximo histórico. (A marca internacionalmente aceita como sendo de risco é de 0,4).

Mesmo nas cidades, a diferença de renda é enorme, chegando a alcançar um coeficiente Gini de 0,36. Zhou culpa a enorme disparidade de renda pelo descontentamento social, episódios como os suicídios nas fábricas de montagem da Foxconn, repetidos incidentes de crianças esfaqueadas até a morte em Shenzhen e Shanghai, e a autoimolação de residentes em protesto por terem suas casas e terras expropriadas pelo Estado e serem realojados à força.

Os ricos estão fugindo

O Relatório Hurun, juntamente com os bancos privados chineses, publicou um informe oficial em 29 de outubro discutindo a gestão de capital entre os cidadãos chineses mais ricos em 2011.

O relatório foi baseado num estudo conduzido nas 18 maiores cidades e direcionado a pessoas cuja fortuna ascendia em média a 60 milhões de yuanes (9,4 milhões de dólares), de acordo com uma publicação Yangtze Evening Post, sediado em Nanjing.

46% dos entrevistados no relatório expressaram que planeiam emigrar para outros países e 14% destes já o fizeram. Um terço possui propriedade no estrangeiro.

Este relatório levantou sérias preocupações no regime chinês. Huanqiu, uma publicação online pertencente ao People’s Daily, publicou um artigo condenando a saída dos ricos do país, afirmando que isso pode causar um desastre econômico e deveria ser limitado.

A maior parte das pessoas que decidiu deixar a China afirma que não sente qualquer tipo de segurança no país. Suas maiores preocupações incluem a falta de um sistema judicial independente, as políticas econômicas imprevisíveis e os altos impostos.

Para o regime chinês, a estabilidade é a prioridade principal. O PCCh depende do exército e da polícia para controlar o número crescente de protestos violentos. Algum tipo de redistribuição da riqueza terá de ocorrer eventualmente.

Falência

Larry Lang é um dos poucos acadêmicos chineses que ousou falar abertamente sobre a atual situação econômica.

O discurso que fez recentemente em Shenyang tornou-se viral na internet apesar do acordo verbal que fez com a audiência para que tal discurso se mantivesse absolutamente confidencial. No seu discurso, ele afirma que todos os números oficiais sobre a economia chinesa publicados online e nos jornais pelo Estado são todos falsos.

A verdade, de acordo com Lang, é que o Estado chinês já se encontra falido. Ele afirmou que no princípio de julho de 2011 o setor manufatureiro já estava em recessão, e que em 2013 o tsunami econômico na China vai começar.

Ninguém sabe o que acontecerá quando a economia chinesa entrar em colapso, nem que justificativas o regime comunista vai encontrar para continuar no poder. O resto do mundo faria bem em se preparar para este cataclismo em vez de relaxar e desfrutar do cenário cor de rosa que o regime chinês tenta apresentar.

Michael Young é um escritor sino-americano sediado em Washington, D.C., ele escreve sobre a China e a relação sino-americana.