Governos de viés esquerdista tendem a gerar controvérsia no setor agropecuário. Em dados momentos pela oposição à propriedade privada, noutros por discussões ambientais cujos efeitos podem trazer ceticismo a parte do público.
Após a disputa presidencial, instalaram-se manifestações no Brasil, que já seguem por 28 dias consecutivos. A instabilidade e as incertezas que ainda pairam sobre os rumos da economia e da política no país atingiram, entre outros setores, a produção agrícola brasileira. Apesar de paralisações ocorrerem em escopo limitado nesta indústria (leia mais neste link), já é algo que prenuncia a possibilidade de impactos mais profundos, nacionalmente e no exterior.
O Epoch Times contactou o Prof. Dr. Roberto Rochadelli, da Universidade Federal do Paraná, para mais contexto sobre as paralisações recentes e cenários futuros para o produtor rural brasileiro. Ele ministra as disciplinas de Economia Rural, Política Agrícola, Engenharia Econômica, Mercados Futuros e Economia Internacional. A entrevista foi conduzida pela Dra. em Agronomia Danielle Dutra.
ET: Qual o impacto econômico da paralisação de certas cooperativas, produtores e caminhoneiros na economia nacional? E na internacional?
RR: No curto prazo, em questão de dias, as manifestações não afetam diretamente na economia interna, porque existe um sistema de logística dentro das cadeias produtivas. Os estoques que estão no mercado tem segurado por um certo número de dias a demanda.
O sistema de logística atende a todos os elos da cadeia produtiva de tal forma que a cadeia consegue se manter ativa mesmo que a infraestrutura não esteja adequada.
Quanto à economia internacional, talvez ela sofra em um momento um pouco mais próximo devido a questões de distância de transporte, infraestrutura, logística, nos próprios comércios internacionais, portos, aeroportos. Provavelmente, se a manifestação continuar, talvez o mercado internacional comece a sofrer antes do nosso mercado.
ET: Em quanto tempo a paralisação pode surtir efeito no abastecimento nacional e internacional?
RR: Em questão de dias, o mercado nacional não é afetado, mas pode ser afetado em questão de meses, a partir de 1 mês pode ter problemas de abastecimento.
Quanto ao mercado internacional, isso é mais breve. Mas o mercado também tem estoques, muitos países têm como se manter por um certo período, sem uma dependência única da exportação de produto brasileiro, como a soja ou mesmo carne.
ET: Quais as implicações no investimento feito no setor?
RR: O produtor rural não para de produzir, ele vai continuar plantando. O que temos no momento é uma briga de forças bem poderosas e não sabemos quais dos dois lados sairá em vantagem, mas o produtor vai continuar produzindo, ele tem a terra dele, tem pagamentos, financiamentos e ele não deixa a área sem plantar em uma safra.
A questão é mais no longo prazo, o que tenho visto é a insegurança em termos de novos investimentos, nós temos hoje uma situação de insegurança que é tão grande, mas tão grande, que podemos citá-la e localizá-la em dois momentos:
- a) Em 1° de janeiro de 2023: não sabemos quem vai assumir exatamente nesse momento, o controle do país, o que faz com que novos investimentos sejam freados e mais que isso ainda;
- b) a insegurança do médio prazo, como vamos estar em termos políticos, sociais e econômicos no dia 1° de janeiro em 2024. Acho que essa é uma preocupação ainda maior, que será o resultado do 1° janeiro de 2023.
ET: Você acredita que as atuais manifestações políticas, tratando-se do agronegócio, podem ter um impacto suficiente para impedir o escoamento de produtos ou outras consequências? Até onde os produtores rurais engajados nelas estão dispostos a ir?
RR: Eu acredito que os produtores rurais não vão continuar agindo. É lógico que os próximos dias serão decisivos, mas o produtor não irá deixar de produzir. Ele tem compromissos e, culturalmente, ele não se permite deixar a terra vazia por um período de tempo tão grande assim. Ele não se permite.
No curto prazo, não teremos dificuldade. Agora, a partir de 1° de janeiro de 2023 as coisas podem até tomar um rumo em que desinvestimentos ocorram. Pode acontecer. Ou um em que novos investimentos acabem não acontecendo também, o que pode gerar uma certa insegurança alimentar em curto prazo.
ET: Que implicações você acredita que um novo governo Lula teria para o agronegócio?
RR: Esses governos, os quais estamos debatendo no momento, não nos prometem um cenário no futuro que seja promissor para a produção agrícola, pecuária e florestal. Eles primam pela produção de pequena escala, pela produção a nível de consumo interno, pela produção a nível de pequenos produtos.
O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) é muito forte e provavelmente vai invadir muitas propriedades. Já estão invadindo! Foi só o resultado da eleição aparecer aí que as invasões já começaram a acontecer. Isso, como eu tenho falado, gera insegurança.
Provavelmente se as coisas continuarem nesse mesmo caminho talvez nós tenhamos até problemas ligados a violência no campo no próximo ano. Os produtores rurais estão armados e provavelmente vão reagir a qualquer interferência desses grupos em relação à propriedade. Isso é bastante complicado neste momento.
E finalizando, os produtores na verdade, param suas atividades quando houver insegurança total, no momento em que, além da propriedade, também já não vale nem a pena produzir, porque a insegurança é tão grande que nem a produção ele tem a certeza que terá um retorno. E aí ele vai parar de produzir também. e ele vai fechar sua propriedade e esperar pelo que vai acontecer.
ET: Qual a sua visão sobre o momento que estamos passando no cenário internacional?
RR: Sabe Danielle, eu vejo esse momento histórico nosso, é um momento histórico bastante complexo. Ele parece que envolve forças muito maiores do que simplesmente as questões internas do Brasil. Nós vemos movimentos aí na Europa, Estados Unidos, principalmente no Ocidente de modo geral, decisões políticas e encaminhamentos políticos que têm sido tomados, têm sido conduzidos de maneira que nos deixam bastante preocupados.
Essa questão de mudança climática, de uma forma intempestiva, de uma forma bastante opressiva inclusive, querendo fazer com que as mudanças na base energética sejam colocadas aí no curtíssimo prazo, o que tem onerado dramaticamente a sociedade humana em termos de aumento de custos de energia.
A sociedade europeia está sofrendo dramaticamente com isto, não só na energia, mas também gerando até fome. Você vê que os países periféricos da União Europeia [nome próprio] estão com problemas dramáticos de renda, não conseguem pagar a conta de energia, e isso não se fala nem em comida, aluguel, transporte, educação. Então nós passamos no momento no mundo… eu diria, uma certa incoerência do ser humano. Um desejo enorme de algumas pessoas em transformar isso aqui tudo de acordo com seus interesses, seus ideais, de uma forma que está sendo muito agressiva e está impactando dramaticamente a sociedade humana em geral, principalmente do Ocidente, porque o Oriente está passando muito bem, graças a Deus.
Complementando, só em termos econômicos, nos últimos tempos no Ocidente, nos últimos 5, 8, talvez 10 anos, os países do Ocidente trabalharam com juros próximos de zero. A Europa quase com juro negativo, os Estados Unidos com juros negativos ou próximos de zero, isso é uma incoerência enorme. Tem gente que pensa, ah juros baixos, isso é bom, não é bem assim. Juros têm que ter um valor. Com juros próximos de zero, os capitais, os ativos, passam a ter valores de mercado quase infinitos, porque é uma relação entre a taxa de juros e o valor do capital. Então, os imóveis por exemplo, nos EUA e Europa e não dizer, muito diferente no Brasil, tiveram uma escalada de preços dramática nos últimos anos aí. E isso impactou também no processo inflacionário.
ET: E no Brasil?
Nos últimos 20 anos, eu diria de forma geral, nós estamos vivendo uma certa insegurança quanto ao futuro e quanto a possibilidade efetiva dos investimentos nos darem o retorno que foram planejados. Porque uma hora entra uma direita no poder, outra hora a esquerda e a esquerda muito forte na verdade. Na verdade, o investimento só se torna efetivo e tranquilo quando nós temos segurança institucional. Eu vou investir e sei que vou ter o retorno.
Vai ter uma taxa de juros que não vai mudar, uma inflação que não vai subir muito, vai ter uma questões políticas e sociais bem tranquilas e definidas no futuro, então o investimento que faço hoje e planejo um retorno em 6 ou 8% realmente vai acontecer. E nos últimos 20 anos essa segurança não existe mais.
Outra coisa que vale a pena mencionar sobre a questão da insegurança para investimentos no agronegócio, a pressão do mundo ocidental principalmente União Europeia, Estados Unidos, Canadá, enfim, sobre a questão climática. Essa pressão deixa o produtor um pouco preocupado, esse é um problema que não pode ser esquecido também, nesse momento é muito importante.
Marcos Schotgues contribuiu para esta matéria.
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