Indígenas protestam contra marco temporal em meio a votação no STF e denúncias na CPI das ONGs, denunciante alega pressão

Por Danielle Dutra
31/08/2023 18:13 Atualizado: 31/08/2023 18:17

Povos indígenas da região de Raposa Serra do Sol, em Roraima, reuniram-se em Boa Vista, capital do Estado, na quarta e quinta-feira, para acompanhar ao vivo a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito do marco temporal, se manifestando principalmente contra a tese jurídica, que discute a demarcação de terras indígenas no Brasil.

Segundo o marco temporal, indígenas têm direito apenas às terras que já ocupavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.

Reportagens noticiaram manifestações de indígenas também em Brasília, estimando algumas centenas ou mais de mil pessoas na capital, também opostas à adoção da medida.

Há também indígenas favoráveis ao marco temporal. Isaias da Costa, da etnia macuxi e habitante de Raposa Serra do Sol disse ao Epoch Times Brasil que os indígenas contrários à tese são vinculados ao CIR, o Conselho Indígena de Roraima, e que os participantes dos protestos “na maioria são professores recém concursados e muitos estão sob pressão pois estão no período probatório”.

 

Ele explica que houve um concurso público para educadores no estado de Roraima no qual muitos participantes dependeram de assinaturas e declarações dos tuxauas (chefes locais) para chegar ao “período probatório”. Segundo ele, professores nesta situação, ligados ao CIR — entidade contrária ao marco temporal —, paralisaram aulas e compareceram aos protestos, com alunos também dispensados para participar das mobilizações. Para ele, isso “causa turbulência, a ideia de deixar a sala de aula e ir em uma manifestação que não agrega nenhum valor aos estudantes”.

A aprovação de tuxauas é uma exigência para candidatos em determinados editais públicos recrutando professores em Roraima (link).

A organização que Isaías integra, a SODIUR, Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima, é uma organização criada por indígenas que não concordavam com a demarcação em área única da Raposa Serra do Sol (leia aqui). 

A votação no STF

Com a votação suspensa desde 7 de junho, o Supremo retomou o julgamento nesta quarta-feira (30) com voto favorável ao marco temporal do ministro André Mendonça, que acompanhou o parecer, também favorável, do ministro Nunes Marques. Os ministros Alexandre de Moraes e Edson Fachin, relator do processo, se posicionaram contra a constitucionalidade do marco temporal.

O ministro Cristiano Zanin votou nesta quinta-feira (31) e desempatou o embate, fechando o placar, por enquanto, em 3×2 contra a tese.

Por que o marco temporal está em discussão?

A discussão do marco temporal voltou ao campo jurídico quando agricultores buscaram reintegração de posse quanto à terra indígena Ibirama-Laklãnõ em Santa Catarina em 2019

Em 2003, a área dessa terra indígena foi expandida pelo Ministério da Justiça, chegando a 37 mil hectares. Parte da região foi ocupada pelos indígenas Xokleng e então disputada por agricultores. 

O argumento dos agricultores é que as terras não estavam ocupadas pelos indígenas antes de 5 de outubro de 1988. Pelo marco temporal, isso significa que não teriam direito a elas. Por outro lado, os indígenas alegam que não estavam na região à época por terem sido expulsos do local

Agora, a decisão tomada sobre o caso de Santa Catarina valerá para todo o país. Este precedente afetará mais de 80 casos semelhantes em mais de 300 processos de demarcação. 

Argumentos favoráveis ao marco temporal segundo o ministro Nunes Marques

  • Afirma que, sem esse prazo, haveria “expansão ilimitada” para áreas “já incorporadas ao mercado imobiliário” no País.
  • O ministro avaliou ainda que, sem o marco temporal, a “soberania e independência nacional” estariam em risco.
  • Ele destacou que é preciso considerar o marco temporal em nome da segurança jurídica nacional. 
  • “Uma teoria que defenda os limites das terras a um processo permanente de recuperação de posse em razão de um esbulho ancestral naturalmente abre espaço para conflitos de toda a ordem, sem que haja horizonte de pacificação”, disse. “Esbulho” refere-se à perda de uma terra invadida.
  • O ministro também entende que a ampliação da terra indígena de Santa Catarina requerida pela Funai é indevida, por se sobrepor a uma área de proteção ambiental.

Argumentos contra o marco temporal segundo o ministro Edson Fachin

  • Para ele, a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que os indígenas tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal e da configuração de renitente esbulho.
  • O ministro também afirmou que a Constituição reconhece que o direito dos povos indígenas sobre suas terras de ocupação tradicional é um direito originário, ou seja, anterior à própria formação do Estado.
  • Fachin salientou que o procedimento demarcatório realizado pelo Estado não cria as terras indígenas – ele apenas as reconhece, já que a demarcação é um ato meramente declaratório

Congresso Nacional

Em paralelo ao julgamento no STF e há 16 anos em debate no Congresso Nacional, o projeto de lei (PL 2903/2023) estabelece o marco temporal para demarcação de terras indígenas pela via Legislativa.

A matéria, aprovada na Câmara dos Deputados, está sob relatoria da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), ela ressalta que o marco temporal tem base na constituição e acredita que, se aprovado, trará segurança jurídica. “São 16 anos de debate e chegamos num ponto em que não se pode fugir de uma solução viável. Não podemos mais deixar que o Supremo resolva isso, pois essa é a função do Poder Legislativo,” disse.

De acordo com a senadora, o relatório foi elaborado em sintonia com as 19 condicionantes do julgamento da Raposa Serra do Sol:  “A minha intenção é de não alterar o texto. Precisamos virar essa página e acabar com essa briga que tem muitas questões ideológicas. O Brasil não aguenta mais essa discussão, os povos indígenas também não. É necessário que tenhamos segurança jurídica nesse país e que respeitemos o direito de propriedade.”.

CPI das ONGs

O julgamento do STF e a tramitação da pauta no parlamento ocorrem em meio a uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) apurando a atuação de organizações não governamentais (ONGs) no Brasil. A investigação parlamentar sobre o assunto traz informações e depoimentos que acrescentam ao debate sobre a demarcação de terras indígenas.

O antropólogo Edward Mantoanelli Luz, ouvido na CPI das ONGs na terça-feira (29), é especialista na avaliação e mediação de conflitos agrários, com experiência em vários estados brasileiros. Ele apresentou dados expondo fundações internacionais que financiam ONGs e associações indígenas brasileiras influentes quanto à demarcação de terras indígenas.

“Dá para dizer que são pelo menos 150 a 200 ONGs socioambientais que inspiram desconfiança. Essas associações indígenas recebem dinheiro das ONGs que, por sua vez, recebem dinheiro das fundações internacionais” afirmou.

Ele denunciou que essas fundações internacionais estão interessadas na demarcação de territórios e expansão de áreas indígenas no Brasil: “As ONGs se articularam para fazer uma retomada de áreas produtivas do Brasil. São pagas para fazer uma espécie de vingança contra a nossa capacidade de desenvolvimento […] É por isso que eles querem tanto derrubar o marco temporal. A proposta nunca foi demarcar terras indígenas tradicionalmente ocupadas, mas retomar todas as áreas que um dia foram territórios tradicionais indígenas. Essa é a utopia”, disse ele.

Mantoanelli trabalhou como coordenador de grupo de trabalho na identificação e delimitação de 8 terras indígenas no Amazonas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) entre 2003 e 2008. Ele apresentou fotos e dados da criação de “aldeias artificiais” para justificar a demarcação de terras em locais que não havia população indígena até o início dos anos 2000.

Edward denunciou que o Instituto Socioambiental, ISA, recebeu mais de 20 milhões de dólares para proteger terras indígenas na bacia amazônica. Além de manipular o processo demarcatório de terras indígenas, ele afirma que o aparato indigenista socioambiental tem por objetivo demarcar pelo menos 25% do território nacional. Para ele, a demarcação se tornou um comércio multimilionário com várias instituições internacionais envolvidas.

Entre para nosso canal do Telegram