“Acho que em um governo Lula, a ‘integração regional’ é outro nome para Foro de São Paulo”: Ernesto Araújo | Entrevista exclusiva

Por Marcos Schotgues e Renato Pernambucano
19/12/2022 11:26 Atualizado: 19/12/2022 11:34

Em entrevista exclusiva ao Epoch Times Brasil e ao canal NTD Brasil realizada na sexta-feira (16) pelo jornalista Marcos Schotgues, Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil, comentou o rumo da política internacional brasileira sob a próxima gestão segundo os pronunciamentos feitos por Mauro Vieira, já anunciado como próximo chanceler. Falas recentes de Vieira anunciaram a reversão de medidas empreendidas por Araújo, incluindo o restabelecimento de laços diplomáticos com a ditadura de Nicolás Maduro, na Venezuela, e um retorno à CELAC, corpo multilateral onde o Brasil havia suspendido sua participação.

A entrevista está disponível em vídeo no Jornal da NTD. O link está disponível ao final da transcrição.

 

Marcos Schotgues: Boa noite Ernesto, muito obrigado por conversar conosco! 

Ernesto Araújo: É uma alegria estar com vocês aqui, Marcos!

Marcos: O ministro indicado por Lula para as relações exteriores, Mauro Vieira, tem feito uma série de anúncios. Nessa semana ele disse, em uma entrevista, que a grande marca da gestão será a “integração sul-americana”. Quando falamos de integração regional, vem alguma lembrança dos governos petistas que entre 2003 e 2016 se aproximaram de regimes ditatoriais de extrema esquerda na América Latina. Então, qual o comentário a ser feito sobre essa prioridade?

Ernesto: A integração regional é um conceito que pode cobrir coisas diferentes, assim como tudo na vida, as coisas podem ser boas ou ruins, dependendo de como elas são usadas. A integração regional que nós tentamos fazer, quando eu estava no Itamaraty… uma integração aberta, você aprofundar com os contatos comerciais, com os acordos comerciais dentro da região e com vistas a melhorar a nossa competitividade no mundo e aprofundar o Mercosul, com vistas a tornar o Mercosul mais competitivo no mundo. Essa era a nossa visão. E também cooperar dentro da região para o combate à corrupção, o combate ao crime organizado. Nós precisamos de cooperação internacional em relação a isso, então essa era a nossa concepção de integração. 

Agora, eu acho que em um governo Lula, a integração regional é outro nome para Foro de São Paulo. É uma desculpa bonita, que parece bem para o Brasil se coordenar, e, em muitos casos, se subordinar, a esse esquema de corrupção, terrorismo, crime organizado, narcotráfico e assim por diante, parecendo que está fazendo uma coisa boa.

Eu sempre dizia “a integração latino-americana tem que ser a integração das democracias latino-americanas. Não pode ser a integração dos cartéis da droga”. Eu acho que, infelizmente, aquilo ao qual aponta um governo Lula em termos de integração regional é a integração dos cartéis da droga, a integração dos mecanismos de corrupção, a volta dos mecanismos regionais de corrupção que Lula inaugurou, através da Odebrecht e de outros meios, na Colômbia, no Peru, no Equador e assim por diante.

É aparecer diante do mundo como [isso] sendo: “Estamos aqui fazendo a nossa região”, e tal. E na verdade, é simplesmente uma cortina de fumaça que vai esconder um aprofundamento do Foro de São Paulo.

Marcos: Bom, quando falamos da questão das drogas, uma informação que eu trago para os leitores é que, segundo o Center for a Secure Free Society, um think tank americano respeitado, estima-se que cerca de 25%, 1 quarto de toda a cocaína do mundo, é escoada através da Venezuela com a conivência e envolvimento de agentes do Estado Venezuelano, o chamado “Cartel dos Sóis” (leia mais aqui). E justamente nessa linha, Ernesto, uma das medidas pretendidas e já anunciadas é a de reatar laços com o regime da Venezuela, do Partido Socialista Unido da Venezuela. Laços que o Sr. cortou durante a sua gestão do Itamaraty. Como entender isso?

Ernesto: Pois é. Um dos meus primeiros atos, uma das primeiras medidas que tomei, antes mesmo de assumir, como ministro nomeado , foi justamente não convidar o “presidente” Maduro, nem o “presidente” de Cuba, Díaz-Canel, para a posse do presidente Bolsonaro; porque a posse é para países que sejam não só amigos do Brasil, mas amigos da liberdade no mundo. Não é para países que estão escravizando seus povos e exportando, há décadas no caso de Cuba, e há anos no caso da Venezuela, a opressão e o narco-socialismo pela região inteira.

Agora nós vemos um ato de, aparentemente, querer convidar o Maduro para a posse de Lula. Então isso é realmente simbólico de duas visões muito diferentes de mundo. Eu acho que o Lula traz essa visão de que, na superfície, há a “máscara” do “temos boas relações com todo o mundo”. É a desculpa: “São nossos vizinhos… e a integração latino americana”. E aí levantamos o capô do carro e vemos aquele motor da corrupção, do tráfico de drogas, funcionando plenamente.

Na Colômbia, o presidente pró-drogas que assumiu, Petro, uma das primeiras coisas que fez foi reatar com Maduro. Não é simplesmente por amizade, não é simplesmente para jogar biriba no fim de semana, claro que não, é porque eles querem melhorar a coordenação no narcotráfico. Querem melhorar a coordenação no apoio ao terrorismo. E infelizmente, nós vemos o Brasil indo por essa linha. Nada de bom pode vir de uma associação com o regime venezuelano. O regime venezuelano é hoje, digamos assim, a “holding” de várias organizações criminosas. A Venezuela hoje é uma espécie de Disneylândia do crime.

Praticamente todas as organizações criminosas da região e algumas de fora da região estão lá. Lavam dinheiro, traficam – traficam não só drogas, mas traficam pessoas. Isso tudo também está ligado à crise migratória nos Estados Unidos. Está ligado à desestabilização de praticamente todos os países da América do Sul. Então é isso que parece que um governo Lula quer prestigiar. É também um reflexo do que chamamos de nominalismo: “Se é um país vizinho, então temos que ter boas relações”. Não! Temos que entender qual é o conteúdo dessas relações e também, no nosso caso… nada contra a Venezuela. Alguns falam: “Ah, vocês não querem boas relações com a Venezuela?”. Claro que queremos! É uma nação amiga, o povo venezuelano. Mas essa nação, esse povo, está sujeito a uma usurpação, uma opressão por parte de um regime completamente ilegítimo.

Então como nós sinalizamos a nossa amizade com a Venezuela enquanto nação, com o povo venezuelano, enquanto povo irmão? Como sinalizamos? Apoiando a volta da democracia à Venezuela, no nosso caso, contra Maduro e em apoio a um governo legítimo de Juan Guaidó. É isso que é. Por que? Porque a Venezuela, além de exportar esse modelo de narco-socialismo, de corrupção e terrorismo, ela oprime seu próprio povo. É um país que praticamente já expulsou mais de 20% da população. Isso praticamente não tem precedentes no mundo, de 30 milhões de habitantes, 7 milhões já saíram da Venezuela. Então, qual é o sinal que estamos passando? O sinal de que o Brasil quer fazer parte de tudo isso. Eu acho lamentável.

Marcos: Você falou sobre países que oprimem seus povos, e salvo engano, foi por esse motivo que o Sr. afastou o Brasil da CELAC, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, uma organização multilateral que, além da Venezuela abriga Nicarágua e Cuba – agentes totalitários. Agora, outra medida pretendida, pela possível futura gestão, é trazer o Brasil de volta para a CELAC, praticamente de imediato pelo que se noticia. Então, Ernesto, por que o Brasil saiu da CELAC? O que representa essa volta e quais os riscos envolvidos?

Ernesto: É curioso, porque essa administração Lula vem no embalo de uma percepção criada pela mídia e pelas correntes políticas do sistema no Brasil, de que eles são os representantes da democracia. Muito bem! Então, qual é o caso da CELAC? Nós, quando a presidência da CELAC estava passando para o México, o México assumiu e começou a querer transformar a CELAC, que é um órgão de todos os países latino-americanos e caribenhos, em uma plataforma para legitimar os regimes antidemocráticos, para usar um eufemismo, da Venezuela, Cuba e Nicarágua principalmente. Ou seja, dar palco para esses regimes.

E, além disso, a CELAC visava a, digamos, abrir as portas da América Latina para a China comunista. Uma das principais funções da CELAC é ser uma espécie de Organização dos Estados Americanos (OEA) sem os Estados Unidos, potência democrática, e com a China, potência totalitária. A China é que, digamos, tende a ser o grande beneficiário dessa integração. A CELAC é para facilitar a entrada dos interesses chineses, que são sempre interesses que entram a favor dos projetos totalitários na América Latina.

Então nós falamos: “O Brasil não está aqui para ficar batendo palmas, na plateia, para apresentações de tiranos, de regimes que tiranizam seus próprios povos. Nós temos compromisso com democracias. Para nós, a integração latino-americana tem que ser com base na democracia, na liberdade”. Isso que nós tentamos com a criação do PROSUL, por exemplo, que imagino que o governo Lula vai abandonar.

E nós não queremos também que isso aqui seja uma claque para a China comunista. Relações com a China, bilaterais. As relações com a China, administradas de uma maneira a não cedermos nossa soberania e cuidarmos do nosso interesse econômico sem condicionar todas nossas decisões estratégicas à China. Na verdade, essa CELAC que o México, que é um país hoje muito ligado ao Foro de São Paulo, estava montando, era isso.

Então não denunciamos a nossa participação na CELAC, ou seja, não saímos definitivamente, mas suspendemos e falamos: “enquanto a CELAC for isso aqui, nós estamos fora. Nós estamos pela democracia, pela soberania”. Então, agora também, Infelizmente, não surpreende que um governo que, por cima do pano, fala que é democracia, mas por baixo do pano gosta mesmo é de Maduro, de ditadura, de regime opressor… então não surpreende que volte à CELAC , que é, infelizmente, embora tivesse uma vocação que poderia ser do bem, se tornou um mecanismo para promover as ditaduras latino-americanas e a aliança dessas ditaduras com a ditadura chinesa. 

Marcos: E na sequência já são anunciadas viagens de Lula para EUA e China, e essa aos Estados Unidos parece evidenciar uma diferença de tratamento. O presidente Jair Bolsonaro, na Cúpula das Américas, em uma situação delicada, acabou conseguindo ter um encontro com Joe Biden, e agora na administração cotada para assumir, é enviado um convite rapidamente.  O que pode ser dito dessa diferença e o que podemos projetar dessas viagens de Lula às duas maiores potências econômicas do mundo?

Ernesto: Os Estados Unidos, Infelizmente, a administração Biden não tem uma visão correta do que está acontecendo no mundo. Acho que não tem uma visão correta de seus próprios interesses. Não está enxergando para onde um governo Lula pretende levar o Brasil. Pretende levar o Brasil para o bloco totalitário coordenado pela China, onde participam também a Rússia e o Irã. O Brasil vai se tornar, com Lula, parte desse eixo Pequim-Moscou-Teerã-Caracas, que agora, infelizmente, talvez seja um eixo Pequim-Moscou-Teerã-Brasília. Mas a administração Biden, na sua política externa, parece não enxergar os problemas reais e fica visualizando problemas imaginários. É uma administração “woke”, uma política externa totalmente “woke”.

Então, para o governo Biden, se o Lula faz um discurso politicamente correto em relação ao clima ou em relação ao gênero, mas sobretudo o clima que é o mais importante para eles, então para eles “tá dentro”! Eles acham que isso é um bom parceiro, ignorando tudo o que Lula fez no passado, contra não só os interesses do Brasil, mas dos próprios Estados Unidos, que são os de ser parte de um hemisfério democrático e livre desses totalitarismos de outras regiões.

Então, os Estados Unidos, que poderiam ser um aliado do Brasil e de toda a região para estabelecer a liberdade, e que em grande parte foram isso durante o governo Trump, agora, por causa de um discurso climático e de um discurso politicamente correto, querem encher a bola de um governo que faz parte do Foro de São Paulo. Que vai alimentar todos os inimigos da liberdade dentro da América Latina e fora dela.

Enfim, quem sou eu para avaliar quais são os interesses americanos… Mas eu acho que é um desrespeito ao povo brasileiro. Para uma grande parte do povo brasileiro que considera Lula uma vergonha para o Brasil, que considera uma vergonha que nós tenhamos, de novo, a perspectiva de ter, na presidência, o presidente mais corrupto da história do país e que capitaneou todo um sistema de governança corrupta.

Então os Estados Unidos, quer dizer, não os Estados Unidos como país, mas a administração Biden, me parece que, abrindo os braços dessa maneira ao Lula, desrespeita boa parte do povo brasileiro. Acho que deveriam ter mais cuidado com isso. E quanto à China? Bom, aí é sopa no mel. Eu acho que com Lula o Brasil vai se tornar aquilo que a China quer, que é um Estado vassalo, uma espécie de colônia agrícola da China.

Acho que Lula vai destruir toda a economia brasileira, menos aquilo que interessa aos chineses.

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